Selfie em Foco 2019
A curadoria do Paraty em Foco promoveu a chamada Selfie em Foco 2019, visando expor autorretratos criativos enviados por fotógrafos. Foram selecionados 32 autorretatos, evidenciando a variedade de expressões e abordagens. Participam da exposição Adilson Andrade, Alexandre Suplicy, Ana Gilbert, Antonio Salaverry, Arthur Kolbetz, Bruna Vianna, Carolina França, Cecilia Bethencourt, Felipe Garofalo, Fernanda Lider, Flavia Baxhix, Gilma Mello, Khalil Charif, Lilian Nader, Luci Polina, Luciana Crepaldi, Marcos Marcolla, Maria Jose Benassi, Mariana Pêgas, Marisa Souza, Mazé Martins, Natalia Rocha, Paula Mello, Rafael Silva, Renato Lo, Roberta Sucupira, Rossana Medina, Tacila Torres, Tika Tiritilli, Veronica Machado Nani, Victor Garcia e Zé Renato. Local: Pátio da Casa da Cultura. De 18 de setembro a 14 de outubro.
FINALISTAS ENSAIO
Paraty em Foco 20 Anos
Paraty em Foco 2024
HOMENAGEADO PARATY EM FOCO 2024
©Renato Amoroso
SEBASTIÃO SALGADO
Desde o início dos anos 1970, quando começa a fotografar, Sebastião Salgado (1944, Aimorés, MG) constrói sua linguagem dentro de um campo de compromissos éticos e políticos que o acompanham em seus posicionamentos e escolhas pessoais frente ao mundo de seu tempo e suas inúmeras contradições, violências e iniquidades.
Economista por formação, exilado na Europa com sua companheira Lélia Wanick durante a fase mais sanguinária da ditadura militar brasileira, atua como fotógrafo a partir de 1973, realizando desde projetos fotográficos menos conhecidos, mas não menos importantes, como sua extensa documentação da Revolução dos Cravos em abril de 1974 e das lutas pela independência das então ainda colônias portuguesas na África, material inédito mostrado pela primeira vez de forma mais ampla e estruturada em exposição em São Paulo neste ano em que se comemora o cinqüentenário do movimento que derrotou o fascismo em Portugal, como também sua documentação no Brasil e na América Latina nos anos seguintes, até os projetos mais recentes de grande envergadura e repercussão, como Gênesis e Amazônia, precedidos de incursões intensivas, prolongadas e extenuantes em temas e territórios percorridos extensivamente na construção de projetos de denúncia e reflexão em torno de temas de justiça social, como Êxodus e Trabalhadores, junto com a incisiva documentação realizada na África sobre a inaceitável fome no Sahel e o brutal etnocídio e genocídio em Ruanda nos anos 1980 e 1990, tragédias contemporâneas de um neocolonialismo geopolítico nefasto e predatório extensivamente documentadas por Salgado.
Esta tem sido a sua trajetória ao longo destes cinquenta anos de fotografia, cinco décadas que também transformaram radicalmente tanto o campo da informação e dos meios de comunicação, como o próprio alcance e protagonismo do terceiro setor com quem Salgado intensamente colaborou neste período de permanente comprometimento com a documentação e difusão das tragédias sociais, políticas e ambientais de nossos tempos, período também em que se transformou o próprio circuito das artes, em parte através da incorporação da fotografia e suas linguagens neste campo de criação e crítica, que se coloca e se projeta hoje no papel de importante protagonista na convergência das artes e da política, através do crescente avanço das práticas efetivas de inclusão e diversidade no campo cultural, social e identitário, onde a representação do outro dá lugar à voz própria e à auto-representação dos marginalizados e excluídos...
Neste contexto de contínua transformação nas artes e na cultura, Salgado fez da proximidade, frontalidade, empatia, compaixão e engajamento os elementos estruturantes de sua aproximação política de temas sensíveis e perturbadores, em fortes imagens em preto e branco construídas através de elementos pictóricos descortinados e realçados pela luz existente, em escolhas que privilegiam um olhar desde sempre influenciado pelas experiências de contra-luz de sua infância e adolescência, sob a luz forte e dramática dos céus de sua terra natal em Minas Gerais no Brasil.
lNa sua relação com o outro, com os indivíduos retratados em seus diferentes projetos que denunciam as contradições de um sistema econômico e geopolítico global de exclusão, violência e exploração de boa parte das populações em diferentes países, suas imagens frontais dos olhares de jovens, mulheres, crianças e idosos, muitos no limite de suas forças e capacidade de resiliência e sobrevivência, tanto em retratos frontais e diretos como em imagens que incorporam os cenários e condições extremas a que estão submetidos, revelam aquilo que para o escritor David Levi Strauss (1953, Kansas, EUA) distingue o trabalho de Sebastião Salgado: - imagens que tem como ponto de partida o real engajamento do fotógrafo com as lutas de superação das grandes contradições do presente, através de registros construídos com empatia e respeito pelos retratados, em imagens que claramente demonstram que mesmo em condições extremas, como as de absoluta fome e privação causadas pelos processos contemporâneos de concentração de renda e capital e contínua exploração e depreciação dos recursos naturais e ambientais, a dignidade humana permanece nos olhares resilientes e muitas vezes desafiadores daqueles que retratou.
Que estas imagens tenham sido tomadas como eventual estetização da pobreza talvez revele mais das transformações por que vem passando próprio campo da cultura e das artes ao longo destes cinqüenta anos, onde os processos de industrialização, urbanização e virtualização da vida em sociedade avançam de forma avassaladora sobre todos, influenciando fortemente a crítica, percepção e mesmo negação sobre particularmente aqueles que foram sempre objeto de atenção e empatia de Salgado, os deserdados da terra que em sua condição existencial, social e ambiental negam frontalmente as utopias desenvolvimentistas e/ou distopias fundamentalmente cosmopolitas da atualidade.
No ano em que comemora suas oito décadas de vida, receber e homenagear Sebastião Salgado na vigésima edição do Festival Paraty em Foco é para todos nós que vivemos e respiramos imagens em nossos cotidianos, uma oportunidade única de ouvi-lo sobre seus cinquenta anos de prática fotográfica no Brasil e no mundo. Bem vindo, Sebastião!
Sergio Burgi
Coordenador de Fotografia
Instituto Moreira Salles